Com menta naquele lugar. É bom.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Vermelho cor de sangue - Parte 7

Três dias sem vê-la. O café é ruim, mas o cheiro logo de manhã lhe traz uma sensação de conforto, pois sente vontade de comer bolo de fubá. No peito a velha sensação de vazio. Copo vazio, maço vazio, geladeira vazia, barriga vazia, ninguém naquele ambiente, mente vazia.
Terça-feira, movimento na rua. Crianças voltando da escola, gente indo e voltando do trabalho, gente sem nada pra fazer, apenas caminhando. Carlos se junta a essa massa de ambulantes. A vontade de fumar lhe dá algumas ideias. Observar os pequenos detalhes da vida monótona e levá-las à tela. Começa a prestar atenção nos para-choques dos carros, nas caixas de correio das casas, nos gatos dos postes, nos pés sujos dos mendigos, boeiros entupidos, lixeiras clandestinas, panfletos pornográficos, lama. Compra cigarro, refrigerante e volta pra casa. Não quer desta vez se embriagar.
Molha o pé na tinta preta e pisa na tela deitada sobre o chão, depois faz o mesmo com a tinta marrom e amarelha. Pegadas em diversas direções. Acende um cigarro e observa aquelas pegadas alguns metros de distância da tela. Não gosta e guarda, ainda com tinta fresca, a tela num canto da sala. Desiste de pintar e senta na poltrona. Observa os palitos de fósforo no canto da varanda e volta a pensar em Constanza. Fica alí sentado, quieto, pensado na guria até pegar no sono e dormir.
Acorda com o corpo dolorido, com as costas surradas pela poltrona. Se alonga, toma um banho e vai à rua passear. O dia de sol, céu azul, gente na rua. Quarta é dia de feira. Não compra nada, apenas gosta de ver o colorido das barracas. Verduras, legumes, frutas, peixes, carne, ervas, grãos, raízes. Se satisfazendo naquela rua de vegetais e cores vivas, cheiro de peixe e mato, se esbarrando nas senhoras de lenço na cabeça e olhares cansados. Come um pastel de carne com caldo de cana. Volta pra casa com algumas compras, pois hoje é noite de jantar a dois. Carlos e suas divagações.
Põe a água pra ferver, óleo e sal. Puxa um blues do Rei.
-Tudo vai mal...Tuuudo! tudo é igual quando canto e sou mudo - Arrisca Carlos fazendo ecoar sua voz na sala sem móveis.
Cortando a cebola, cantarola a música. Seis e trinta e cinco da noite, nem calor nem frio. Coloca o macarrão na água e vai cortar o tomate. Concentrado, as vezes esquece de cantarolar e fica um silêncio desconfortável, como se a sala vazia pedisse uma música, mas o que se ouve é somente o barulho da faca cortando agora o pimentão na tábua de madeira. Meche o macarrão fervendo e volta a cantarolar.
Lembra que esqueceu de comprar vinho. Abre a geladeira pra se certificar de que não havia vinho alí, e vai bater o alho. Diminui o fogo do macarrão, pega dinheiro, chaves, camisa no ombro e desce correndo até a padaria do português chato pra comprar um bom vinho, antes que cozinhe demais o macarrão, ou até mesmo exploda sua casa.
Quando já de volta, procurando desesperado, no molho de chaves, a da porta, com o vinho debaixo do braço, o macarrão já está bom. Desliga o fogo, procura uma outra panela para o molho, suspira. Coa o macarrão, lava com água fresca, lava a panela do próprio, seca e coloca novamente no fogo, desta vez com alho no óleo, já um tanto dourado. Coloca o macarrão na panela e mexe. O cheiro tá bom.
Alguém bate na porta. Antes de ir abrir, dá uma mexida no macarrão.
- Por acaso você só bebe vinho? - Constanza com vestido florido e seu decote ousado, para uma guria de seios pouco voluptuosos, para delírio contido de Carlos.
- Ah você... Entre!
- Que cheiro bom é esse? Além de faxineiro é cozinheiro também?
- To fazendo um jantar.
- Huumm, então tem companhia?
- Acabou de chegar.
- Isso é um convite? Acho que nunca me chamaram para jantar.
- Pode-se dizer que sim. Depende de você.
E quando Carlos já estava prestes a gozar de alegria, sua euforia acabava alí, com o macarrão quase queimando no fogo.
- Hoje não posso, vou embora já já. Tenho compromisso.
Sem deixar mostrar seu abalo, suando frio. - Ah, tudo bem - Sente um alívio por não mostrar descontrole.
- Boa sorte no macarrão - caminhando até a porta, de costas.
- Ha, vou precisar. - Brinca e olha nos olhos de seu carrasco.
- Tchau. - Sai pela porta sem a resposta de Carlos. Resposta na qual fica guardada em seu peito.
Mais uma noite chata. Mais uma noite de divagações, somente divagações. No peito a velha sensação de vazio. Desta vez copo cheio, barriga cheia, geladeira cheia. Mais uma noite sem Cons.
- Tchau.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Vermelho cor de sangue - Parte 6

Acordar cedo é uma ótima iniciativa para se ter um bom dia, pensava Carlos. Quando acordava cedo, por mais cansado que estivesse, tinha o corpo mais bem disposto, a mente fluía. Acordou dez e meia da manhã, se preparou e foi para a praia de Copacabana. Não era pervetido, mas gostava de olhar as meninas de topless expostas ao sol quente. Depois da Lapa, Copacabana é o lugar onde atrai gente de todos os tipos. Prostitutas, travestis, gays, traficantes, religiosos, empresários, artistas, pagodeiros, intelectuais, negros, brancos, índios, estrangeiros, gente que sabe e não sabe nadar, enfim, pessoas de todos os tipos, raças, crenças, profissões, além de pessoas como Carlos, que gostava de admirar outras pessoas.
Após aproximadamente uma hora caminhando pela orla, debaixo de um sol escaldante, depois descançou três horas num quiosque as pernas doloridas. Foi de encontro ao mar, mas antes escolheu entre as milhares de pessoas deitadas nas cangas coloridas, alguém que aparentava ser de boa índole e deixou sua carteira enrolada na camisa. Refrescou a carne quente, misturando o suor salgado à água salgada do mar sujo daquela praia. Só conseguiu ver uma moça de topless, e nem achou tão legal assim. Voltou para a orla, caminhou um pouco mais devagar por alguns metros e sentou-se em outro quiosque, desta vez para comer algo. Depois de uma leve refeição, fumava e olhava o mar. Aquelas crianças eufóricas, pulando e se jogando contra as ondas, as mães os chamando, o salva-vidas que era admirado pelas senhoras descontentes com o casamento, as meninas que coravam suas peles para a noite, os rapazes do vôlei, o vendedor de picolé. Quem o visse dessa maneira, fumando e olhando o que tinha em sua frente, logo imaginaria que estivesse refletindo sobre sua vida, mas sua vida passava longe de sua cabeça, quando pensava na vidas daquelas pessoas. Analisava todos e esquecia-se de tudo. Já anoitecia quando decidiu tomar rumo a outro lugar. Já não estava calor, e nem estava tão cheia a praia.
andava por entre os prédios, quando encontrou um boteco. Parou para tomar uma cerveja e ouvir conversa de bêbado. Boteco clássico. Balcão, dois atendentes do lado de dentro, prateleira de vidro, máquina de café amassada, garrafas de cachaças desconhecidas nas paredes, uma televisão com interferência passando a novela das seis, e alguns homens jogados naquele pedaço negativo do bairro. Um deles embriagado e provavelmente sem dinheiro, olhava a novela sem vê-la. Pensava na vida, ou talvez nem vida tivesse para pensar, lembrar, refletir, e só estivesse vendo a novela. Os outros em companhia de outros bêbados. Quando já se via no caminho curto da embriaguez, avistou um homem de aparência depressiva. Jaqueta jeans, cavanhaque, cabelo curto e grisalho, olhos amarelos, peito magro e fundo escondidos pela camisa preta surrada. O sujeito era viciado, tava na cara. Era elétrico, coçava o nariz com frequência e tinha o olhar penetrante, como se quisesse agredir quem o encarasse. Carlos disfarçava e olhava aquele sujeito estranho. Tinha também um pouco de receio de que o cara pudesse perceber e tirar satisfações com ele, mas não conseguia parar de observar a atitude daquele homem. O sujeito, trocou cochichos com outro sujeito estranho, pegou algo de sua mão e foi para o fundo do bar entrando no banheiro sujo. Alguns minutos depois saiu mais estranho, com olhos arregalados e muito agitado, porém Carlos viu no fundo dos olhos e nos músculos relaxados de sua face que o sujeito parecia estar satisfeito, tranquilo, apesar da euforia que apresentava. Carlos sempre havia falar dos efeitos da cocaína, que seus amigos contavam depois das festas, festas das quais Carlos não frequentava. Viu que o sujeito era viciado em cocaína e ficou impressionado. Pagou a conta e voltou pra casa. Como só tinha ônibus até a Lapa, e o bondinho já não funcionava aquela hora, foi para mais um desses hotéis aparentemente limpos do centro. Deu boa noite aos travestis da porta e foi dormir.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Vermelho cor de sangue - Parte 5

Estou acordado às três da manhã. Lá fora ouço sirenes penetrando num silêncio tão delicado quando o desenho da lua nova no céu estrelado. Alguns minutos atrás ouvia London London do Caetano e agora ouço o silêncio. Minutos atrás bebia vinho, ouvia Caetano e me perdia no escuro dos meus olhos fechados. Agora presto atenção no silêncio da rua, olhando as paredes com vontade de vomitar. Estou pensando nela porra. Preciso fazer alguma coisa. Preciso voltar a viver, assim como vivia antes de conhecer ela. Fazer as coisas sem pensar nela, esquecê-la. Eu nem a amo, apenas quero comê-la. Amar é coisa de garoto. Não estou mais na quinta série amando a menina da oitava. Fernanda, como amava ela... Nem me dava bola! Cartas de amor e cantadas ensaiadas pra nada. Me deu um toco como se eu fosse uma coisa qualquer. Mas também, o que ela diria. "Não" é "Não" em qualquer situação. Alí vi que o amor não existia. Eu te amo, eu te amo, eu te amo, eu te amo, eu te amo... Acho que estou ficando louco, conversando comigo mesmo. Minha mente não pára. Será que tem algum momento em que eu não pense em nada? Foda-se. Estou com sono. Estou enjoado e com sono. Pra ser sincero comigo, eu queria ser amado como um dia amei Fernanda, mas sei que isso não existe de verdade. Na verdade eu não quero morrer sozinho. Eu quero a Cons. Constanza. Constanza. Constan... Constanz... Const...


Todas as Quintas à noite, Pedro, Dudu, Guga e Carlos se encontram no apartamento de Sandro, no Leblon, para beber cerveja e falar sobre futebol, mulher e trabalho, enfim, da vida. Desde que viu Constanza daquela varanda que Carlos não aparece na social, e depois de um bom porre sozinho em sua casa, decide reaparecer.
Bate na porta com um engradado de cerveja na outra mão e um sorriso na cara, Quando a porta é aberta, a festa é como se tivessem vendo a ressurreição de um amigo. Quem atende é Pedro, o amigo mais pobre dos cinco. Trabalha como supervisor numa empresa de telemarketing e ainda mora com a mãe. Guga é ator e vive do dinheiro do pai. Dudu é gerente de uma empresa de carros importados na Barra da Tijuca e Sandro trabalha numa produtora de filmes trash. Carlos dá a cerveja para Pedro por na geladeira enquanto vai abraçar o resto da rapazeada. A noite vai ser longa.
Dudu instala o videogame na tevê e fala sobre o novo jogo de futebol que comprou, mais atualizado e com melhor gráfico. Pedro encostado na porta da cozinha com uma cerveja na mão conversa com Carlos sentado no sofá ao lado de Guga, que enrola um baseado, enquanto pergunta por onde esteve todo esse tempo:
- Aconteceram muitas coisas e ao mesmo tempo nada. - Responde Carlos.
- Porra! Como assim? - Pergunta encabulado Pedro.
- Conheci uma guria.
- Sabia que tinha mulher envolvido nisso! - Interrompe Sandro, sentado ao chão fumando um cigarro.
- Que mulher é essa? - Pergunta Guga passando em seguida a língua no baseado.
- Uma vizinha minha lá.
- E ae? - Questiona excitado Dudu com os controlhes do videogame na mão.
- Ainda não rolou nada demais. Apenas umas prosas, mas a mulher ta me tirando do sério.
- Então deve ser gostosa... - Palpita Pedro.
- Mas se tu ainda não comeu nem nada, por que tu sumiu seu viado? Como ta lá os quadros? - Acendendo o baseado, pergunta Guga.
- Tenho pintado uma coisa ou outra. - Responde Carlos
- O Carlos vai ter como ápice de sua criação o próprio caixão pintado por ele mesmo, vocês vão ver! - Brinca Dudu.
Dalí até às sete da manhã do dia seguinte, os velhos amigos mataram a saudade e ouviram as novidades de Carlos, jogando videogame, bebendo cerveja temperada com a maconha que Guga levara. Carlos se sentia como nos tempos do segundo grau, quando os mesmo matavam aula no aterro do Flamengo para fumar maconha vendo o Pão de Açúcar. Carlos estava feliz. Por um bom momento esquecia Constanza e se sentia leve. Amigos, o melhor anti-depressivo que ele conhecia bem.